sábado, 12 de fevereiro de 2011

A classe média egípcia e a revolução

É cedo para qualquer tipo de avaliação. Não se sabe ainda se os militares vão ou não antecipar as eleições, previstas originalmente para setembro. De resto, apenas uma certeza: Hosni Mubarak se foi e com ele, um legado de ditadura, mordaça na imprensa e perseguição aos partidos políticos, em particular a Irmandade Muçulmana, posta na ilegalidade. O Egito tem 80 milhões de habitantes e, somados todos os manifestantes nas diferentes cidades que realizaram atos contra o regime mubarakiano, não ultrapassam quinze milhões.
E onde estão os outros 65 milhões de egipcíos? Por que não tomaram parte dos protestos, uma vez que o objetivo a ser alcançado iria beneficiar todo o país? E quem são estes cerca de 15 milhões de heróis, saudados pelo mundo afora?
Como se sabe, a "revolução" egípcia eclodiu após as gigantescas manifestações realizadas semanas antes na Tunísia, que também provocou a queda de um ditador. Munidos de contas no Facebook, Twitter, celulares, e outros fetiches tecnológicos, a juventuda egípcia foi às ruas e, "yes, we can", derrubaram o ditador, no poder havia trinta anos.
Quem, no Egito hoje, dispõe de todos estes apetrechos tecnológicos? Quem tem condições de manter contas de celulares num país empobrecido e estagnado economicamente? Quem no Egito hoje pode se dar ao luxo de manter-se conectado ao mundo, enquanto milhões de egípcios sobrevivem com menos de dos dólares por dia? A classe média pode tudo isso.
Ela - a classe média - foi às ruas e, com seu grito ecoando para além da África, fez tremer as paredes do palácio presidencial, a ponto de desalojar de lá seu ocupante há mais de trinta anos. Surpreendido, o Ocidente demorou a entender a razão dos protestos; chegaram, inclusive, a pensar tratar-se de manifestações organizadas pela Irmandade Muçulmana, partido religioso, fundado em 1928, feroz opositor de Mubarak e, por isso mesmo, posto na ilegalidade. Não, o movimento das massas era espontâneo. Não havia uma liderança política capaz de galvanizar as ações e mostrar-se confiável aos jovens. A própria Irmandade foi tomada de surpresa.
Durante todo o tempo de ilegalidade, a Irmandade voltou-se para o trabalho assistencial, em benefício de amplas camadas de pobres do Egito, principais vítimas do desastre econômico dos anos Mubarak. Foi a ápice da estagnação econômica, aliás, o principal detonador dos protestos da juventude egípcia que, na voz de um deles sintetizou o problema: "de que adiante termos diplomas de curso superior, se não temos empregos". É a economia, estúpido.
Mubarak caiu. A expectativa agora é pela reforma constitucional e a convocação de eleições. Serão, no mínimo, 60 milhões de cidadãos em condições de votar. E destes, certamente, 70% estão na linha da pobreza ou abaixo dela. Pobres, sobrevivendo com menos de dos dólares por dia e sensíveis ao discurso religioso e de forte componente moral: a raiz de todos os problemas está na corrupção e na subserviência ao Ocidente. Notem, aqueles capazes de decidir a eleição e o próprio futuro do Egito não tomaram parte dos protestos de agora. E, ainda, os líderes destes protestos não são confiáveis aos olhos da maioria dos egípcios, mais sensíveis às palavras de quem, no presente, lhes assegura assistência médica e pelo menos um prato de comida por dia.