O Artigo 5º da
Constituição Federal, em seu Inciso VI, diz: “é
inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre
exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos
locais de culto e a suas liturgias”. Mas, porque este dispositivo
constitucional vem sendo sistematicamente desrespeitado, a lei 11.635,
sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2007, fez do 21 de
janeiro o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. E mesmo com todo
este arcabouço legal, não raro os adeptos das religiões de matriz africana
(Umbanda e Candomblé) são vítimas de integrantes de outros segmentos
religiosos: seus ritos e rituais são vilipendiados e seus locais de culto, alvo
de ataques ensandecidos.
A escolha do dia 21 de janeiro é uma homenagem à Iyalorixá baiana Gildásia dos Santos e
Santos, que faleceu na mesma data, em 2000, vítima de enfarto. Ela era hipertensa
e teve um ataque cardíaco após ver sua imagem utilizada sem autorização, em
matéria do jornal evangélico Folha Universal, edição 39, sob o título
“Macumbeiros Charlatães lesam o bolso e a vida dos clientes”. O texto não era
menos ofensivo e agredia as tradições de matriz africana, das quais Gildásia
era representante. A igreja foi condenada
pela justiça brasileira a indenizar os herdeiros da sacerdotisa. A morte de
Gildásia dos Santos e Santos não foi uma fatalidade nem tampouco uma tragédia
isolada; foi apenas um exemplo, uma amostra, das brutalidades cometidas contra
adeptos das religiões de matriz africana, como umbanda e o candomblé.
De lá para cá, a situação não mudou, pelo
contrário, nos últimos anos cresceu o número de ataques a roças de Candomblé e
terreiros de Umbanda. Daí a necessidade de um dia como o 21 de janeiro para
lembrar à sociedade, em especial, os adeptos de outras confissões religiosas,
que o direito que assegura a existências delas é o mesmo que permite aos
umbandistas e candomblecistas professaram a sua fé, sem serem importunados,
agredidos ou vilipendiados.
De fora pode não se ter a exata dimensão
do problema, mas, visto de dentro, é possível vislumbrar a sua extensão. Segundo
a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, de 2011 para
2012, houve um crescimento de 626% no número de denúncias de casos de
intolerância religiosa no país. Os dados referem-se à quantidade de ligações
para o Disque 100, que recebe denúncias desta natureza. Os dados relativos a
2013 ainda não estão disponíveis.
Respeitar a liberdade religiosa do
próximo, na essência, significa respeitar o direito de escolha e de
manifestação de crença. É compreender que o outro tem direito de professar uma
fé que não necessariamente pode ser igual a nossa. Tanto ele como nós temos os
mesmos direitos de professar nossa fé, usarmos nossos adereços publicamente
(guias, colares, quepás, véu, roupas coloridas, crucifixos, bíblias embaixo do
braço) e não sermos ridicularizados por isso.
Para o sociólogo baiano Ordep Serra, no
caso das religiões de matriz africana, Umbanda e Candomblé, os ataques trazem
embutido outro componente, tão pior quanto: o racismo. E isto só faz agravar a
situação, na medida em que à intolerância religiosa soma-se o preconceito de cor
e raça, igualmente crime conforme o nosso sistema legal.
De maneira contraditória, aqueles que, no
Brasil, praticam a intolerância religiosa, fora dele são vítimas. Recentemente,
a Índia aprovou uma legislação que proíbe a conversão religiosa. E alguns países
islâmicos, o quadro não é muito diferente. Por isso, em nosso país a laicidade
do Estado é uma forma de assegurar a liberdade de crença e ritual de todas as
confissões religiosas. E quem atenta contra este caráter, atenta contra a
própria sociedade brasileira.
Que em mais um 21 de janeiro os
brasileiros reflitam sobre o necessário respeito ao outro, em todas as suas
dimensões, sobretudo, a religiosa. Respeite a fé do seu irmão! Intolerância
religiosa, não!