quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Complexo de vira-lata?

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi à Paris receber o título de Doutor Honoris Causa outorgado pelo Instituto de Estudos Políticos de Paris – conhecido como Sciences Po. O mundo caiu. Os principais veículos de comunicação do país destacaram seus correspondentes na Europa para a cobertura do evento. Natural, tendo em vistar tratar-se do primeiro latino-americano a receber a honraria do instituto francês; e apenas o 19º título desta natureza conferido em seus 140 anos de história.
A cobertura, longe de mostrar o ineditismo do evento, tratou de desancar a renomada escola parisiense por ter tido a ousadia de conceder tal título a alguém que nem diploma de curso superior possui. A honraria, e é disso mesmo que se trata, apenas uma honraria, não tem o menor valor acadêmico. Destina-se apenas a reconhecer os esforços de uma pessoal em proal de uma causa. No caso de Lula, as ações sociais desenvolvidas durante seus dois mandatos na presidência da República e seus resultados. Nada mais que isso.
As elites, e suas penas de aluguel, inconformadas, tentaram encostar a "faca na garganta" do diretor do Instituto, como que a puní-lo pela ousadia de conceder a honraria a alguém que não deveria sequer ter saído da senzala. Não dá nem para usar a expressão criada pelo dramaturgo Nelson Rodrigues: o famoso complexo de vira-lata, pois não é disso que se trata.
O que houve foi apenas preconceito e recalque, porque o premiado não era o "doutor presidente", o príncipe dos sociólogos, mas, o torneiro mecânico; alguém que até outro dia envergava o macacão cheio de graxa. Isso é demais para as elites brasileiras, que sempre vaticinaram a incapacidade dos de baixo de administrar seu próprio destino.
A história mostrou que elas - as elites - estavam erradas. O povo e seus representantes são capazes de conduzir suas próprias vidas. Podem conduzir, ao invés de serem conduzidos.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

O Tea Party original e o nosso

Paulo Moreira Leite foi, simplesmente, muito cruel. Cruel demais com o "Tea Party" brasileiro. Cruel, porém, justo e correto.
Paulo Moreira Leite, em sua coluna na Época
22/09/2011
Mede-se o grau de desenvolvimento político de um país pela transparencia
de suas disputas cotidianas. Neste sentido o universo político americano é mais avançado do que o brasileiro.
Um bom exemplo é o Tea Party. Trata-se de um grupo de extrema direita fanatizado, que tem um respeito absoluto e reverente pelo mercado.
Diz acreditar que o indivíduo é a principal alavanca do progresso humano. Condena o Estado acima de quase todas as coisas — menos para realizar guerras de conquista. Afirma, querendo ser levado a serio, que toda medida destinada a criar um regime de bem-estar social não passa de um esforço na direção de uma ditadura comunista.
É ridículo, como cultura política, e regressivo, como fenômeno histórico. A crise economica dos EUA, grande parte provocada por essas idéias, é uma demonstração do caráter nocivo deste condomínio conservador. Mas é mais honesto do que ocorre no Brasil.
Nosso Tea Party é difuso, anti-social e não se apresenta como tal. Esconde sua visão de mundo atrás da bandeiras extremistas, que fingem não ser de direita nem esquerda.
Está presente nos partidos políticos, mas também em artigos da mídia e em gabinetes de alto poder econômico e decisiva influencia política.
Seu discurso considera o Estado é uma entidade mal-assombrada que só deveria existir para perseguir os desajustados e os inconformados. Combate toda idéia que poderia levar a uma melhoria na proteção social e denuncia qualquer esforço para diminuir a concentração de renda.
Agindo num país muito mais pobre e desigual do que o original americano, nosso Tea Party faz uma tradução adaptada e empobrecida da mesma retórica. Procura se esconder atrás de causas universais para esconder que se move em nome de interesses bem particulares.
Nessa versão tropicalizada, alega que tudo o que sobrevive às voltas do Estado não é embrião de comunisno mas fruto de um roubo. Como os originais americanos, nosso Tea Party adora o setor financeiro. Seus integrantes falam como se fossem anarquistas de direita mas, num tributo (sem ofensa) às mazelas nacionais, seus verdadeiros líderes e inspiradores tiveram vários flertes e até muito mais do que isso nos tempos da ditadura militar.
Em matéria de liberdades públicas, nosso Tea Party confunde liberdade de expressão com direito de venda. É contra todo e qualquer protecionismo, a menos que se destine a proteger seu mercado.
Mas alimenta uma doutrina contra uma intervenção dos poderes públicos, mesmo que patrocinada por autoridades escolhidas pelo voto popular, para modificar a distribuição de renda e assegurar benefícios aos brasileiros que não tem renda para adquiri-los. Acham que combater a desigualdade social é ir contra a natureza humana.
Por coerencia, nosso Tea Party é contra um regime de saúde pública, que considera errado num país grande e baixa renda per capta como o nosso. Os sistemas públicos tendem a nivelar as pessoas e, de seu ponto de vista, isso é ruim.
Os mais atirados dizem que o SUS é uma utopia socialista, inviável em função de nossa renda per capta — seguindo um raciocínio que leva a crença de que o salve-se quem puder deveria virar artigo da próxima Constituição.
Os mais preparados preferem a linha policial. Alegam que todo aumento de gasto nessa área será desviado e roubado. É irracional e irreal mas funciona. Um número impressionante de brasileiros acredita nisso sem fazer contas simples.
É difícil saber quem rouba de quem quando se constata que nossa saúde privada consome 55% de todos os gastos com saúde do país mas só atende 25% da população. É um imenso e escandaloso programa de transferencia de renda ao contrário. Todo dinheiro gasto com saúde pelo cidadão comum pode ser descontado do imposto de renda, privando o Estado de recursos que seriam úteis para a educação, para as obras públicas e até para a saúde. Mas estamos falando de ideologias, não de realidades.
Uma pessoa que tem um plano de saúde privado razoável irá gastar em torno de R$ 400 por mes ou mais. São R$ 4800 por ano. Nem em dez anos deixaria uma quantia equivalente se tivesse de pagar uma contribuição de 0,1% em sua movimentação financeira como contribuição a saúde.
Continuaria tendo direito a assistencia médica mesmo que perdesse o emprego e não tivesse um centavo no banco. E faria parte de um sistema onde aqueles que tem mais pagam mais. Pode não ser correto do ponto de vista da igualdade alimentado pelo Tea Party. Mas é o justo conforme o padrão ético de muitas pessoas e toda escola progressista de diminuição da desigualdade.
Com frequencia, sempre que tem de enfrentar uma cirurgia delicada o cliente de um plano privado tem de travar uma longa batalha para valer seus direitos, que nem sempre serão respeitados. Nem todos os remédios nem tratamentos que sua doença exige serão oferecidos de forma gratuita. Como acontece também no SUS, poderá ser forçada a lutar por eles na Justiça. Mas o cidadão do plano privado não acha que está sendo roubado quando paga sua mensalidade.
Tampouco fica inquieto quando seus médicos fazem greve para denunciar ganancia patronal. No fundo, recusa-se a acreditar numa realidade matemática: os planos de saúde só podem ficar de pé enquanto não precisam entregar os serviços que cobram. No dia em que você precisa mesmo desses serviços, é expelido dos planos, ou forçado a pagar mensalidades inviáveis para a maioria das pessoas da mesma faixa de risco. Não é maldade. É plano de negócios.
Um raciocínio parecido aplica-se a Previdencia Social, cuja falencia é anunciada periodicamente como uma fatalidade técnica — mas que tem apresentado uma contabilidade menos complicada ano a pós ano, graças a uma política oficial que faz o óbvio e apenas ele: defende os empregos formais, facilita o registro em carteira e multa a empresa que não cumpre suas obrigações.
Nesse terreno dificil, o Tea Party deixa no ar a sugestão de que a aposentadoria privada é uma alternativa séria e que a Previdencia, quanto menos dinheiro tiver, menos roubará. O problema é que as previdencias privadas até podem ser úteis para quem pode pagar por elas, mas todo analista sério sabe que nenhuma oferece os mesmos benefícios, pelo mesmo preço, como o INSS.
Há uma boa razão para nosso Tea Party assumir uma identidade esquiva e fugidia. Seu discurso pode até existir nos Estados Unidos, país com uma história muito diferente da nossa, onde a economia privada atingiu uma força sem paralelo na América ou no Velho Mundo. No Brasil, com uma condição histórica muito diferente, um grau de desigualdade maior e carencias também maiores, o Estado oferece um padrão mínimo de assistencia que não é desprezível, embora seja totalmente insuficiente. Nesse geografia, o Tea Party só pode atuar na sombra, procurando causas universais para interesses bastante privados.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Sobre os erros que deixamos passar…

Todo mundo conhece e sabe como funciona a manipulação na imprensa nativa. Lá fora, as coisas não são muito diferentes. E o caso mais emblemático é a decisão da Autoridade Palestina de solicitar diretamente na Assembleia Geral da ONU o seu reconhecimento como Estado-membro. As agências internacionais de notícias insistem na patranham de que o ato "será" vetado pelos EUA, que vai agir em socorro ao seu satélite no Oriente Médio, Israel. Os norte-americanos não farão isso porque, simplesmente, nestas circunstâncias não tem poder para tanto. Vejam por si mesmos. Informação publicada no blog do jornalista Luis Nassif.

Todo mundo comentando (e aceitando) o noticiário das agências internacionais, que informavam (erradamente) sobre o poder dos EUA de vetar a entrada da Palestina como membro da ONU…Nada disso: eles vão apresentar o pedido diretamente à Assembléia-Geral (senão, pra que esperar a reunião de cúpula – eles poderiam apresentar sua solicitação a qualquer momento no Conselho de Segurança), onde vai votar-se a sua inclusão como MEMBRO PLENO. Passa com maioria de 2/3 dos países-membros, e não há poder de veto de ninguém. Vejam o noticiário abaixo, onde eles tentam “consertar” a informação errada:
“…Estados Unidos e seu satélite (Israel) no Oriente Médio, naturalmente, fazem feroz oposição ao desejo palestino. Os EUA já afirmaram que usarão seu poder de veto (sic) para frustrar as aspirações palestinas.
Assim, o presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, deve escolher pela proposição de uma votação de reconhecimento na Assembleia Geral da organização, em lugar de entrar com uma solicitação no Conselho de Segurança (CS).
Os palestinos passariam então a ter acesso pleno ao direito de participação na ONU. Expressando seu apoio ao reconhecimento da Palestina, o primeiro-ministro turco disse que ‘não se trata de uma opção, mas de uma necessidade’…".
(resumo dos textos de Reuters, France Press e Associated Press, divulgado aqui:http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=163863&id_secao=9 )
O que falta colocar em evidência:
1. A Assembléia-Geral é a única entidade das Nações Unidas com a prerrogativa de aceitar ou vetar uma solicitação de inclusão de um estado soberano.
2. O CS não pode fazer isso sem a apreciação de TODOS os países-membros. Casos excepcionais de acolhimento de um novo estado-membro pelo CS já ocorreram (no caso da crise da Yugoslávia), mas eles nessas ocasiões os aceitos não entraram com direitos plenos dos estados-membros, só os adquirindo depois da ratificação da Assembléia-Geral.
3. Em caso de aceitação da Palestina (o que – para desespero de EUA e Israel é líquido e certo), ela deve adquirir status de membro pleno imediatamente.
Obs.: Independente da opinião de cada um (ser simpático aos israelitas ou aos palestinos é decisão de foro íntimo e pessoal), é bom que todos aqui atentem para os detalhes do processo de divulgação do noticiário internacional, que é ainda pior do que a mídia brasileira. As agências de notícia internacionais são poucas (conta-se com uma das mãos) e, portanto, a capacidade de disseminação de notícias tendenciosas ou com viés distorcido é muito favorecida pela extrema concentração de mídias em grupos corporativos.
Vou citar só um exemplo recente de distorção pesada: o caso da Líbia que, como membro pleno, não poderia JAMAIS ser atacado por forças da OTAN (francesas, inglesas, americanas, todos também países-membros das Nações Unidas) sem o aval da Assembléia-Geral da ONU - e somente após esgotarem-se todos os processos via canais diplomáticos e mediação internacional. É uma inferência dentro dos assuntos internos de um estado-membro por outros estados-membros, o que a Carta Constitutiva da ONU proíbe, aponta como arbitrário e totalmente ilegal. Abs.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Alckmin: 9 milhões pela fidelidade da ‘Proba Imprensa Gloriosa”

As pessoas têm dificuldade para entender as razões que levam determinados veículos de comunicação a disparar seus canhões contra um governo (prefeito e governador) e poupar outros. Não é preciso ir muito longe para encontrar a explicação. É só seguir o dinheiro, ou melhor, quem com ele beneficia e quem dele tira proveito. Leia o texto abaixo e entenda, de uma vez por todas, porque os seguidos governos tucanos do estado de São Paulo são tratados de forma tão generosa pelos principais veículos de comunicação.

E seu Barão assina os jornais e revistas para as Escolas Públicas

Do NaMariaNewsInterrompemos nossas saudáveis férias nas paradisíacas selvas de Bornéu para informar que a chuva é molhada, o sol é quente, a grama é verde e a Educação de São Paulo continua a mesma, embora sob completa nova direção.
O Barão de Taubaté, ou melhor, o Sr. José Bernardo Ortiz Monteiro é o presidente da Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE) desde sua nomeação pelo Governador Geraldo Alckmin, em janeiro deste ano.
Pois não é que depois de ferrenha labuta nas negociações, Ortiz acatou ordem superior e assinou milhares de exemplares de jornais e revistas do PIG (Proba Imprensa Gloriosa) – para as melhores escolas públicas do mundo, cujos professores são também os mais bem remunerados do planeta? Sim. Exatamente como fizeram seus antecessores, o ex-governador José Serra e o finado Paulo Renato Costa Souza, ex-secretário de Educação de SP, o Barão de Taubaté fechou com a Folha de SP, Estadão, Veja, IstoÉ e Época. Tudo, como sempre, sem licitação.
Desnecessário dizer que, mais uma vez, a CartaCapital não aparece no rol dos favorecidos.
Eis os contratos, datas e seus valores, de acordo com o Diário Oficial:
27/julho/2011 – Época
- Contrato: 15/00628/11/04
- Empresa: Editora Globo S/A
- Objeto: Aquisição pela FDE de 5.200 (cinco mil e duzentas) assinaturas da “Revista Época” – 52 Edições, destinados às escolas da Rede Estadual de Ensino do Estado de São Paulo – Projeto Sala de Leitura.
- Prazo: 365 dias
- Valor: R$ 1.203.280,00
- Data de Assinatura: 26/07/2011
(*Primeiro comunicado no DO em 12/julho/2011)
29/julho/2011 – Isto É
- Contrato: 15/00627/11/04
- Empresa: Editora Brasil 21 LTDA
- Objeto: Aquisição pela FDE, de 5.200 (cinco mil duzentas) assinaturas da “Revista Isto É”, 52 Edições, destinados às escolas da Rede Estadual de Ensino do Estado de São Paulo – Projeto Sala de Leitura.
- Prazo: 365 dias
- Valor: 1.338.480,00
- Data de Assinatura: 25/07/2011.
(*Primeiro comunicado no DO em 12/julho/2011)
3/agosto/2011 – Veja
- Contrato: 15/00626/11/04
- Empresa: Editora Abril S/A
- Objeto: Aquisição pela FDE de 5.200 (cinco mil e duzentas) assinaturas da “Revista Veja”, 52 Edições, destinados às escolas da Rede Estadual de Ensino do Estado de São Paulo
- Projeto Sala de Leitura
- Prazo: 365 dias
- Valor: R$ 1.203.280,00
- Data de Assinatura: 01/08/2011.
(*Primeiro comunicado no DO em 12/julho/2011)
6/agosto/2011 – Folha
- Contrato: 15/00625/11/04
- Empresa: Empresa Folha da Manhã S.A.
- Objeto: Aquisição pela FDE de 5.200 (cinco mil e duzentas) assinaturas anuais do jornal “Folha de São Paulo”, destinados às escolas da Rede Estadual de Ensino do Estado de São Paulo – Projeto Sala de Leitura
- Prazo: 365 dias
- Valor: R$ 2.581.280,00
- Data de Assinatura: 01/08/2011.
(*Primeiro comunicado no DO em 23/julho/2011)
17/agosto/2011 – Estadão
- Contrato: 15/00624/11/04
- Empresa: S/A. O Estado de São Paulo
- Objeto: Aquisição pela FDE de 5.200 assinaturas anuais do jornal “O Estado de São Paulo”, destinados às escolas da Rede Estadual de Ensino do Estado de São Paulo – Projeto Salas de Leitura.
- Prazo: 365 dias
- Valor: R$ 2.748.616,00
- Data de Assinatura: 01-08-2011.
(*Primeiro comunicado no DO em 23/julho/2011)
Total: R$ 9.074.936,00.
Você pode comparar os valores e quantidades dos anos anteriores nas tabelas deste texto.
Extenuado de tanto firmar tão bons acordos pedagógicos, o presidente da FDE, José Bernardo Ortiz Monteiro, como faz qualquer funcionário público, foi ter uns dias de férias lá na Europa.
Oh là là!
Alvíssaras, confrades.
PS – Agradeço ao gentil comentarista desta casa, em texto sobre os contratos do Estado (leia-se José Serra via Prodesp) com a empresa de escutas/grampos e que tais, Fence Consultoria, que escreveu o seguinte:
 “Para achar coisa do PSDB é uma aranha, mas contra o petismo é mosca morta”A ele nossa inteira concordância. Há mesmo seres mutantes em todas as esferas. Por exemplo, caro comentarista: por vezes sois uma araponga, mas em outras também um tucano.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

O jornalismo, a “criação” da corrupção e o PT

Vale a leitura. É uma pequena mostra de como se constróem falsos consensos no Brasil e, principalmente, revela o quanto insidiosa e hipócrita é a imprensa deste país. Não, o Brasil não merece a imprensa que tem.

O jornalismo, a corrupção e o PT
Por Edmilson Lopes Júnior, no Terra Magazine
Uma narrativa recorrente em certos ambientes, e reproduzida à exaustão em não poucos veículos de comunicação, aponta a ascensão do Partido dos Trabalhadores a cargos de mando no país como o ponto inicial da corrupção no país. Tudo se passa como se tivéssemos vivido, até 2002, em uma ilha de administradores probos e políticos campeões da moralidade pública.
O estabelecimento de uma relação direta entre a ascensão do PT a postos de governos e a entronização da corrupção como pauta primeira da preocupação nacional é mais do que uma embromação histórica. E é também algo mais do que mera luta política, como apreendem, equivocadamente, os petistas. No curto prazo, é a única forma de garantir visibilidade pública para quem já não tem como garanti-la através da elaboração de alternativas políticas e econômicas para o país. Mas, e aí tocamos no que é fundamental: o apelo moralista contra a corrupção supostamente desencadeada pelo petismo (antes, por suposto, essa era uma prática inexistente no país) é a trilha mais fácil a ser seguida por setores jornalísticos que perderam a condição de mediadores culturais privilegiados no país.
O jornal Folha de São Paulo é a melhor expressão dessa derrocada cultural da imprensa brasileira. Antes, ponto de apoio para um jornalismo que expressava uma reflexão criativa e criativa da vida política nacional, o jornal paulista foi se deixando encurralar nesse triste e patético lugar social de um jornalismo que, sob a decoração modernosa, não se diferencia muito das “críticas” moralistas proferidas em programas popularescos de TV. Não fossem as referências esparsas a um ou outro pensador legitimado no mundo acadêmico, que distância existiria entre alguns dos textos produzidos pelos colunistas do jornal e os discursos do Pastor Malafaia?
Ora, não é o petismo o responsável pela sua ascensão da corrupção ao topo da pauta do jornalismo pátrio. Uma de suas causas está na própria configuração atual da atividade política. Dado que a midiatização da atividade é a via quase única para o resgate de alguma legitimidade, os políticos se tornaram prisioneiros da “imprensa”. Tanto é assim que não poucos dentre eles atuam e se pensam como celebridades. Que todos os principais legislativos tenham criado as suas próprias emissoras de rádio e tv, essa outra expressão da irresistível força da visibilidade midiática sobre a atividade política.
Paradoxalmente, maior visibilidade e pouca diferenciação no que diz respeito a propostas substantivas contribuíram para que a busca da distinção tivesse como referentes quase exclusivos a moral e a estética. Some-se a isso o cansaço geral para com as tarefas necessárias para o fermento da esfera pública e o que emerge? Uma forma de se “fazer política” (e jornalismo diário) que tem na denúncia do governo de plantão a sua única razão de ser.
Se um ator com veleidades de patrocinador de reformas sociais e econômicas ocupa um posto de governo, aí então estão dadas as condições para o cerco moralista ao “poder”. Não há muita novidade nisso, é bom que se frise. Repete-se no Brasil nestes últimos anos, com todas as tinturas de mais uma farsa tropical, o que ocorreu na Espanha na segunda metade da década de 1980. Quando da primeira ascensão do PSOE ao governo. Naquele tempo, determinado jornal espanhol conseguiu pespegar no partido do então Primeiro-Ministro Felipe Gonzalez a marca da corrupção. Com isso, pavimentou o caminho para a ascensão do direitista PP. Lá, como cá, a direita encontrou no moralismo a forma de aparecer na vida política. Que setores supostamente críticos tenham incorporado essa pauta nestas plagas, eis aí uma confirmação da assertiva definitiva de Lévi-Strauss: “os trópicos são menos exóticos do que démodés”.
Exemplar do que apontei mais acima é uma coluna de autoria do jornalista Fernando Barros e Silva, publicada no sábado passado no jornal Folha de São Paulo. Encimada pelo título “Toninho do PT, 10 anos depois”, a coluna consegue ser surpreendente, mas não exatamente pela argúcia analítica. Poucas vezes se leu em um grande jornal algo tão irresponsável e leviano. Tendo o assassinato de Toninho, então Prefeito de Campinas pelo PT, em 2001, como mote do texto, o jornalista lança insinuações sobre quem seria o verdadeiro responsável pela morte do saudoso político campineiro. E conclui atirando no seu alvo preferido: “Não sabemos ainda a resposta. Mas sabemos quem matou a honestidade quando chegou no poder em Campinas, em Santo André, no país”.
Parafraseemos o colunista. Qual o futuro de um jornalismo que, desacreditado no seu papel de mediador cultural, vai se reduzindo à condição de pregador moralista? Também não sabemos a resposta. Mas sabemos quem matou a objetividade analítica no jornalismo paulista.

sábado, 10 de setembro de 2011

O impensável aconteceu

Onze de setembro de 2001. Eu trabalhava no Jornal de Holambra, cidade fundada por imigrantes holandeses, próxima à Campinas. Semanária, a publicação era a única na localidade. Naquela dia, chegara mais cedo. Precisava preparar a próxima edição. Seria especial. No dia anterior ocorrera o brutal assassinato do prefeito campineiro, Antonio da Costa Santos, o Toninho do PT. Um crime até hoje ainda não esclarecido. O assunto, porém, deixou de ser único. Passou a dividir o espaço do jornal com o impensável.
Mal chegara à redação, bateu aquela vontade de tomar um café, ação que, invariavelmente, precedia outra: o cilindro branco, com um filtro, fumegante. Os tempos eram outros e ainda se podia fumar em locais fechados. Tomei o café e enquanto fumava, a secretaria na sala ao lado soltava um grito de horror. Incrédula, ela não conseguia explicar a imagem que a TV insistia em reproduzir: um jato chocava-se violentamente contra um prédio em Nova York. Era a segunda aeronave. A primeira já se espatifara contra o outro prédio que, juntamente com o anterior, formavam as chamadas "torres gêmeas" do Word Trade Center, uma espécie de coração financeiro do capitalismo norte-americano.
O impossível aconteceu. Os muçulmanos feriam de morte o "Grande Satã". Cravavam a estaca no que acreditavam ser o coração da fera. Estava enganados. A história e os fatos que se sucederam se encarregaram de mostrar-lhes. Mas, naquele momento, eles encheram-se de júbilo. A ação chocou o mundo. Jamais, em toda a grandiosa história norte-americana, um inimigo externo fizera tanto estrago. Nem os japoneses em Peral Habor. O país já fora alvo de ataques terroristas antes. Os inimigos, nestas ocasiões, eram internos; como foi o caso das explosões em Oaklahoma City, em 1995.
A sociedade norte-americana e o próprio país mudaram. Duas guerras foram travadas. Dois regimes políticos e seus líderes foram aniquilidos. Hoje, exatos dez anos depois, também o mundo foi afetado pelos atentados perpretados pela Al Qaeda (a queda) de Osama Bin Laden. O próprion terrorista não está mais neste mundo. Seu corpo repousa no Mar da Arábia. Mas, certamente, a caveira do seu crânio exibe um sorriso irônico.
A terra da liberdade, da punjança e da prosperidade não existe mais. Os esforços militares empreendidos na chamada "guerra ao terror" mergulharam o país em uma crise econômico-financeira sem precedentes. O desemprego atingiu números recordes. E o bem mais valioso dos americanos, que os enchia de orgulho, a liberdade, é apenas uma pálida sombra. A paranóia e o medo tornaram-se conselheiros das mudanças legislativas realizados pelo governo do presidente George W. Bush. E lançaram o fermento de um movimento reacionário que ameaça mergulhar os EUA em um período de trevas, do qual levará muitas décadas para se desvencilhar.
Esta, talvez, não tenha sido a intenção de Bin Laden e seus kamicazes. Algo bem na linha do "atirei que no vi e acertei no que deixei de ver". O Jornal de Holambra, naquela semana, publicou matérias sobre o atentado da Al Qaeda e o assassinato do Toninho do PT.. E quase nenhuma notícia da própria cidade. De provinciano, tornou-se cosmopolita. Reproduziu em todas as suas páginas, ainda que apenas uma vez, os ecos do mundo.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Hildegard Angel e a alpinista social

Ah, Hildegard, quanta elegância, quanto estilo. Morro, aqui, mais um pouco de inveja por tão belo texto. Vale repetí-lo quantas vezes forem necessárias, até que o maior número possível de pessoas a ele tenham acesso. Vale a leitura e, sobretudo, vale também a reflexão. Para efeito de temporalidade: o texto escrito em 8 de setembro fazia referências às tais "marchas contra a corrupção", ocorridas no dia anterior.

Ontem, postei no Twitter:
“O que acho desses “movimento” anti-corrupção mesclando “gatos & ratos”: que a demonização da política é o atalho mais curto para uma ditadura”.
Em seguida, complementei:
“Quem já viveu uma ditadura tem que estar atento e forte, sempre alerta, pois foi com esse discurso de “ladrões” que Lacerda incendiou o Brasil”.
Enfim, no espaço máximo de 140 caracteres, expressei minha opinião, que, como bem diz meu “lema”, pode não ser a melhor opinião, pode não ser a sua opinião, mas é a minha opinião….
E sabem o que aconteceu? Recebi como retorno, de uma certa @maria_lima, que não conheço, dois comentários sucessivos. Para o primeiro post: “decadente ridicula!”. Para o segundo: “Discurso imbecil!”…
Só então, dada a grita indignada dos demais seguidores do Twitter, eu soube tratar-se, a desbocada, da coordenadora de política da sucursal de Brasília do jornal O Globo! Eu, que convivi em O Globo – onde “nasci” como jornalista e trabalhei mais de três décadas – com os educadíssimos irmãos Roberto, Rogério e Ricardo Marinho, o finíssimo Padilha, o rigoroso mas sempre correto Evandro Carlos de Andrade, o cavalheiro José Augusto Ribeiro, o sempre amável Carlos Chagas, o elegante Milton Abirached, o sensível Pedro Gomes, o “lord” Carlos Menezes, o impecável Ali Kamel, o fraterno Agostinho Vieira, o cordial Ascânio Seleme, o discreto Rodolfo Fernandes e outros companheiros de grande categoria, levei um susto. Será esta a nova orientação de comportamento das Organizações? Não acredito…
Foi então que, puxando pela cabeça, lembrei-me de um post que recebi, no ano passado, quando, novata, ingressei no Twitter, enviado por “@maitêproença”, me pedindo voto para  Maria Lima, para um prêmio de mulher na imprensa. Como se tratava da Maitê, que aprecio, eu acreditei, votei e respondi à atriz, ainda via Twitter, informando o que fizera. Que mico! Fui alertada pelos seguidores que “@maitêproença” era um perfil falso, provavelmente inventado por alguém que queria emplacar o prêmio da tal candidata, que aliás ganhou o dito troféu e soltou foguete. É certamente uma ascendente. Sobe às alturas de uma alpinista…
Agora, vou dizer a vocês, neste espaço que não me limita, o que penso de um movimento “anti-corrupção”, convocado pelas redes sociais e inflado por lideranças empresariais, por uma imprensa muitas vezes comprometida com seus próprios interesses e uma canastra de senadores de diferentes naipes que não se combinam.  O que acho é que falta objetividade…
Para que os gritos contra a corrupção não ecoem no vazio e não se limitem a um exercício coletivo de catarse, a uma reunião esporrenta sob o sol antes da chopada, é preciso ter um foco. Exemplo: anos atrás propus, numa coluna, que todas as pessoas em funções públicas neste país fossem obrigadas por lei a manter informações detalhadas sobre sua evolução patrimonial, sempre atualizadas na internet, acessíveis a todos, a partir de data anterior aos cargos. Essa obrigação se estenderia aos cônjuges e ao núcleo familiar do personagem. Simples e transparente, não? Assim, saberíamos quando, onde e como o parlamentar tal enriqueceu, o prefeito ou governador ou presidente da estatal comprou seu avião particular. Uma passeata com essa proposta seria bem mais frutífera, não acham?…
Agora me perguntem se apareceu um  legislador, um deputado, um senador sequer interessado em propor uma lei com esse fim? NENHUM! Porque o que de fato se deseja não é “acabar com a corrupção”, esse objetivo vago, o que se quer é manipular a opinião pública em prol de seus interesses particulares, sejam eles políticos, profissionais ou empresariais…
Hoje, converso com mulheres arrependidas por terem, em março de 1964, participado da tal Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que deu no que deu. Elas saíram às ruas de terço na mão, insufladas pelo seu ídolo Carlos Lacerda, e pediam aos gritos e em faixas o impeachment de João Goulart, o que foi usado como justificativa para o golpe militar. Inocentes úteis, coitadas, bem intencionadas, servindo à ambição ilimitada de um político que errou no cálculo, o tiro saiu pela culatra e ele próprio foi perseguido, se arrependeu, criou a tal Frente Ampla com Jango e JK, lembram?…
Bem, isso é História, e a História deve ser contada e recontada, para que os erros do passado não se repitam. Vivemos um novo tempo. O Brasil não é o mesmo, nem as pessoas, muito menos as nossas Forças Armadas. Mas há um fato novíssimo: as redes sociais. Poderosas, avassaladoras, incontroláveis. São elas que agora nos obrigam, a nós, os formadores de opinião, a ter uma responsabilidade muito maior. Devido a elas, mais do que nunca, devemos ser, nós, os jornalistas, ainda mais consequentes, sérios e cuidadosos antes de ajudar a acender qualquer pavio, que não sabemos que comprimento terá e que incêndios poderá provocar. Para que no futuro algumas “marias lima” não se arrependam por terem confundido experiência com decadência…

Com ou sem nota?

Estava tentado a escrever sobre as tais marchas contra a corrupção, a mais nova onda no país. Mas, confesso, não me sentia tão estimulado. Não queria alimentar este surto de udenimos extemporâneo que tomou conta da sociedade endinheirada, que está perdida e sem bandeira política. Eis, então, que me encontro o texto de Walter Hupsel, no Blog On the Rocks. Para mim, definitivo. Tanto que estou reproduzindo-o com sentimento de dever cumprido.

Com ou sem nota?
Por Walter Hupsel
No dia 7 de setembro, data em que se comemora a independência do Brasil, passeatas contra a corrupção tomaram as ruas de várias cidades. Segundo seus organizadores, o movimento teria tomado força por conta da absolvição da deputada Jaqueline Roriz (PMN-DF).
Pauta mais que legítima. A corrupção é um mal que assola o país, e pior, é um dos problemas cuja exata dimensão não se tem. Revela uma crise das instituições, mina os poderes e drena uma imensidão de dinheiro que deveria ser aplicado em áreas essenciais.
Se corrompe porque se acredita que outros farão o mesmo, que o dinheiro drenado não seria usado como deveria. Isso se espalha e, muitas vezes, é visto como estratégia de sobrevivência. Uma "equalização" das vantagens comparativas.
Mas, a passeata foi mesmo contra o que? Pela saída de Jaqueline (que, na sua defesa alega que os fatos de corrupção foram anteriores ao mandato e que, logo, não poderia ser julgada)? Contra o voto secreto no Congresso, que possibilitou a camaradagem dos deputados na absolvição da colega? Ou contra os políticos em geral?
Eles, os organizadores, respondem: "guerra contra o mau político, contra a corrupção que assola nas esferas federal, estaduais e municipais, contra as obras superfaturadas, contra as licitações viciadas e fraudulentas, contra os desvios de verbas…"
Pois é. "Contra a corrupção", contra todos, é difuso, não tem alvo. Mas, carrega, subliminarmente, que é contra a corrupção de agentes do Estado, em especial do Legislativo e do Executivo (curiosamente, no discurso, o Judiciário sequer é citado. Este poder que, muitas das vezes, é tolerante com a corrupção alheia).
Mas, ao mesmo tempo, os organizadores parecem se esquecer que existe a corrupção porque existe o corrupto e o corruptor, e que este último não é — via de regra — agente público. E quem é o corruptor? Quem também é responsável pela drenagem de recursos que afeta toda a população? Os "políticos"? Sim, também, mas não só!
É, por exemplo, aquele médico que tem dois preços, que ao final da consulta pergunta se o paciente vai querer nota. Se quiser, o preço é maior, claro, pois terá que pagar imposto.
O quanto de imposto deixa de ser pago assim? Mas, para o médico que cobra mais barato sem a nota, isso pouco importa já que ele joga na vala comum o dinheiro dos tributos: "Não pago porque vão roubar em Brasília". E o paciente pede sem nota. E as grandes doadoras de dinheiro para as campanhas políticas, as construtoras e outras concessionárias de serviços públicos? São altruístas?
E se pensarmos nos comerciantes que sonegam, não emitem nota fiscal, podem vender seus produtos mais baratos que o concorrente "honesto". Assim, vende mais, ganhando mercado da concorrência. Esta, por sua vez, ou se conforma com a perda relativa de mercado ou passa a usar a mesma estratégia, evitando os impostos pra vender mais barato ao consumidor. Questão de sobrevivência.
As passeatas contra a corrupção, em que pese sua legitimidade, padecem de foco, de um alvo concreto. E, exatamente por isso, escolhe o caminho mais fácil: aponta o dedo para os outros, para os "políticos em geral", e se "esquece" de pedir a nota no consultório.
Mas tudo bem, resolvemos isso pagando um cafezinho para o guarda, que é camarada e me deixa estacionar aqui por alguns minutos. E dormiremos tranquilamente