sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Caso Lunus e a versão cachorro louco

Por Leandro Fortes, no Brasília Eu Vi
Seria apenas risível, não fosse, antes de tudo, muito grave, o surgimento de uma nova e alucinada versão sobre a operação da Polícia Federal, deflagrada em março de 2002, que resultou na apreensão de 1,3 milhão de reais na sede da construtora Lunus, em São Luís, no Maranhão. A empresa, de propriedade da governadora Roseana Sarney (PMDB) e do marido dela, Jorge Murad, tornou-se o epicentro de uma crise política que modificou os rumos da campanha eleitoral de 2002, justamente quando a direita brasileira parecia capaz de emplacar, finalmente, um candidato puro-sangue com real chance de chegar à Presidência da República. Na época, Roseana Sarney era do PFL, atual DEM, e resplandecia numa eficiente campanha de mídia como exemplo de mulher corajosa, determinada e, sobretudo, competente. Resguardada pelo poder do pai, o senador José Sarney (PMDB-AP), e pela aliança pefelista que sustentava o governo Fernando Henrique Cardoso, Roseana sonhou, de fato, em tornar-se a candidata da situação contra Luiz Inácio Lula da Silva.
O desejo da família Sarney de retornar ao Palácio do Planalto revelava, em primeiro plano, o absoluto descolamento da realidade de um clã provinciano e truculento, incapaz de perceber o mundo além das fronteiras do Maranhão. Por outro lado, revelava, ainda, total desconhecimento dos métodos e da sanha de seu verdadeiro adversário, o tucano José Serra, empenhado em ser candidato pelo PSDB a qualquer custo. Serra, ao contrário de Roseana, tinha montado uma máquina de moer inimigos a partir de um “núcleo de inteligência” instalado na antiga Central de Medicamentos (CEME) do Ministério da Saúde, comandada pelo delegado da PF Marcelo Itagiba, atual deputado federal pelo PSDB. Itagiba, no entanto, era apenas o ponto de contato entre Serra a direção-geral da corporação, então nas mãos de outro tucano, o delegado Agílio Monteiro Filho, que chegou a se candidatar, sem sucesso, à Câmara dos Deputados, em 2002, também pelo PSDB. Em 2007, o delegado foi nomeado ouvidor-geral adjunto do Estado de Minas Gerais, uma espécie de ombudsman paroquial, pelo governador Aécio Neves. Um prêmio de consolação, convenhamos, para lá de meia-boca.
Agílio Monteiro Filho comandou de longe uma operação montada em bases políticas, dentro do Palácio do Planalto, com o aval do presidente Fernando Henrique e de seu candidato à sucessão, José Serra. Imputar esse fato ao PT e, mais incrivelmente, a Lula, quase uma década depois do ocorrido, só se justifica pela insana caminhada de parte da mídia ao precipício, onde também se pretende jogar a memória nacional e a inteligência alheia, para ficarmos em termos brandos. O depoimento do tal sindicalista Wagner Cinchetto à revista Veja, como parte da série “grandes entrevistas de dedos-duros do mundo sindical”, tem a pretensão de transformar fatos concretos e apurados numa versão aloprada baseada, unicamente, nos valores invertidos do mundo bizarro em que se transformou boa parte da imprensa brasileira. Trata-se de caso explícito de abandono completo da regras básicas do jornalismo, mesmo a mais primária, a de pesquisar, com um google que seja, aquilo que já foi escrito a respeito.
Digo isso porque, quando da deflagração da Operação Lunus, eu era repórter do Jornal do Brasil, em Brasília, e fui destacado para descobrir os bastidores daquela sensacional ação policial que, inusitadamente, havia sido comemorada tanto pelo Palácio do Planalto como pela oposição petista. Eu tinha boas fontes na Polícia Federal, tanto em Brasília como no Maranhão, e desde as primeiras horas da notícia fui alertado de que, embora a grana dos Sarney fosse mesmo suja, a operação da PF tinha sido armada para detonar Roseana Sarney. Outro que foi avisado cedo sobre o assunto foi o próprio José Sarney. Furibundo, o chefe do clã iniciou um movimento político que resultou em uma de suas raras dissidências governistas e em um ódio paternal profundo pela figura de José Serra.
Na ponta da Operação Lunus estava o delegado Paulo Tarso de Oliveira Gomes, atual adido policial nos Estados Unidos, nomeado pelo diretor-geral da PF, delegado Luiz Fernando Corrêa, imagina-se, por bons serviços prestados à corporação. Gomes era um homem de confiança de Agílio Monteiro Filho e, portanto, do PSDB. A chance de haver alguma ligação dele com o PT ou Lula é a mesma de Marcelo Itagiba se tornar ministro da Justiça em um eventual governo Dilma Rousseff. Ou seja, zero. Jamais houve, contudo, o tal telefonema para o Palácio do Planalto feito por Gomes para avisar FHC do sucesso da empreitada. O delegado Paulo Tarso Gomes enviou, isso sim, de dentro do escritório da Lunus, um fax para o Palácio da Alvorada, à noite, onde o presidente Fernando Henrique, ansioso e de pijamas, aguardava notícias sobre a ação. O texto anunciava a missão cumprida. Foi uma matéria minha, no JB de 2 de março de 2002, que revelou a armação.
Eu soube do fax porque, à época, consegui acessar os dados da companhia telefônica do Maranhão e me deparei com o grau de amadorismo da ação. Incrivelmente, o delegado-chefe da operação, no afã de mostrar serviço, nem esperou voltar para o hotel em São Luís para dar as boas novas a FHC: passou um fax de dentro da empresa investigada! Os números, tanto do telefone da Lunus, como do Palácio da Alvorada, foram registrados pela telefônica e, um dia depois, também foram estampados pelo Jornal do Brasil, a tempo de desmentir uma versão montada às pressas, na assessoria de imprensa da PF, que chegou a apresentar um fax falso para evitar a desmoralização da operação. Tudo isso poderia ter sido checado, sobretudo na Editora Abril, haja vista que o editor-chefe do jornal, que participou diretamente da edição das matérias, era o jornalista Augusto Nunes, atualmente, um dos colunistas da revista Veja.
Mais uma coisinha que ninguém se lembra de falar quando se trata da Operação Lunus: embora tenha sido um sucesso político para os tucanos, foi um fracasso total para a Polícia Federal. Um ano depois, o Supremo Tribunal Federal (STF) arquivou, por falta de provas, o processo contra Roseana Sarney decorrente da ação da PF.
No fim das contas, o neoarrependido Wagner Cinchetto nada mais é o do que um dos cachorros loucos liberados pela mídia neste agosto eleitoral. Ao imputar a Lula e ao PT a tucaníssima Operação Lunus, o sindicalista conseguiu apenas consolidar essa impressão terrível, que cresce com a proximidade das eleições, de que os ventos da derrota não trazem, definitivamente, bons conselhos aos candidatos.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Futuro líder da oposição virá do Rio

A última pesquisa do Instituto Datafolha mostra a candidata do Partido dos Trabalhadores (PT), Dilma Rousseff, com 49% das intenções de voto. Seu principal adversário, José Serra (PSDB), está em segundo, com 29%. A margem de erro é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos. Se as eleições fossem realizadas hoje, estes números dariam à candidata apoiada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva a vitória no primeiro turno.
Diferentes analistas políticos afirmam que, caso se confirme sua derrota, Serra terá o canto do cisne em sua carreira política. E mais, já se especula também quem irá liderar a oposição no Congresso Nacional. Uma avaliação ligeira cravaria no ex-governador de Minas Gerais e candidato ao Senado por aquele estado, Aécio Neves. Com uma tribuna importante a sua disposição, dizem os especialistas, ele teria condições de ser o grande líder oposicionista a um eventual mandato de Dilma Rousseff.
Aécio não é unanimidade. Pelo menos é que se depreende de algumas análises publicadas na imprensa. O ex-governador mineiro, dado o seu perfil conciliador e suas boas relações com o presidente Lula, não teria a necessária firmeza para conduzir a oposição conservadora no Parlamento. Se Aécio não serve, quem, então, há de servir? A solução, para os conservadores, pode estar no Rio de Janeiro.
Criado nas hostes brizolistas, César Maia (DEM-RJ) é mais um daqueles típicos casos em que a criatura acaba sempre se voltando contra o seu criador. Sua trajetória política teve início à sombra do caudilho gaúcho, mas, não demorou a alçar vôo próprio; nem que, para isso, fosse preciso dar uma guinada de 180º em suas concepções políticas. O social-democrata, adepto do socialismo moreno, deu lugar ao conservador mais reacionário.
César Maia é candidato ao Senado pelo estado do Rio de Janeiro. E as pesquisas o colocam em boas condições de se eleger – a mais recente, do Datafolha, lhe dá 33%, em situação de empate técnico com o senador e candidato à reeleição Marcelo Crivela.
O demo carioca, depois de três mandatos à frente da prefeitura do Rio de Janeiro, tornou-se um obcecado por pesquisas eleitorais e é dele a mais arguta análise sobre o recente levantamento feito pelo Datafolha.
Maia “joga a toalha” e, em seu ex-Blog na internet, afirma que a vantagem de Dilma Rousseff “é fato e não se pode e nem se deve contestar”. O ex-prefeito carioca admite que, neste momento, para José Serra, o mais importante é perseguir o segundo turno, hipótese que a cada dia se revela mais distante. E para isso, sugere uma aliança “não escrita” com a candidata do Partido Verde, Marina Silva. Talvez a senadora acreana, comprometida até a medula com o limitado discurso ecológico, não contasse com esta possibilidade quando decidiu lançar-se na aventura de tentar ser presidente da República.
O ex-prefeito do DEM propõe induzir o voto daqueles que não querem nem Serra e nem Dilma para Marina Silva. Em outras palavras, prega o voto útil para, em sua opinião, assegurar a realização de um segundo turno, onde o jogo é zerado e os dois mais bem votados partem em condições de igualdade. Esta manobra, embora por outros meios, já foi experimentada na eleição anterior e o resultado é bem conhecido: o então candidato Geraldo Alckmin (PSDB) conseguiu a proeza de ter, no segundo turno, menos votos do que teve no primeiro.
A análise que Cesar Maia faz dos números do Datafolha também fornece pistas de como será sua atuação no Senado Federal, caso seja eleito em outubro. Ele lamenta o fato de a equipe de José Serra não ter acompanhado mais atentamente as eleições chilenas. “Com Michele Bachelet, ex-presidenta do Chile, mais popular do que Lula, Sebastian Piñera, candidato da oposição conservadora, foi corajoso e propôs como mote, foco e slogan de campanha, a mudança”, afirma Maia.
Transpor uma realidade de um determinado local para outro, na expectativa de ver reproduzido ali os mesmo resultados, é um exercício não muito recomendável. A vitória de Sebastian Piñera foi vista com alvíssaras por muita gente da oposição ao presidente Lula, porém, as comparações não tiveram fôlego por um único motivo: a situação chilena estava dividida e fragmentada, ao passo que, no Brasil, ela só tem uma candidata.
César Maia também faz críticas veladas à estratégia adotada por José Serra. Segundo ele, ao invés de apostar no “tudo bem, mas vamos fazer um pouco mais”, o tucano deveria, a exemplo do oposicionista chileno, ter um pouco mais de coragem e insistir na mudança. Estes são pequenos, porém, consistentes sinais da atuação do futuro senador César Maia, o líder que a oposição está procurando.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

O ensino técnico em São Paulo

O ensino técnico profissionalizante de nível médio é a vedete nesta campanha eleitoral. Todos os candidatos prometem ampliar investimentos e construir mais escolas desta natureza no estado de São Paulo. A excessiva especialização que estes cursos proporcionam não atende mais as necessidades do mercado de trabalho. Mais do que técnicos extremamente especializados, as empresas querem também um trabalhador com ampla visão de mundo, capaz de entender o empreendimento em sua totalidade e atuar nos diferentes setores da organização.
Esta excessiva especialização é consequência do Decreto 2.208, assinado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) em 1997. No ano anterior, 1996, o Congresso Nacional aprovou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e desobrigou a vinculação da educação profissional ao ensino médio. Com o decreto de FHC ocorreu a fragmentação da educação técnica integrada e a redução da oferta de vagas nesse nível de ensino.
Esta fragmentação é ruim para a formação do trabalhador e para o país, pois reduz os anos de escolaridade. E o fruto desta baixa escolaridade é o trabalho precário, a sub-remuneração, as migrações, que não trazem benefícios para ninguém.
Em 2004, apesar das pressões de setores ligadas à educação privada no Congresso Nacional, foi aprovado o Decreto 5.154, que revogou o 2.208. O ensino técnico voltou a ser vinculado à educação básica, foi assegurado o cumprimento da formação geral e da preparação técnica, com ampliação da carga horária do curso. O decreto do presidente Lula resgatou a integração, porém, de maneira opcional. E nem todos os estados aderiram.
São Paulo não aderiu e, aqui, a rede estadual continuou com dois conteúdos separados e dupla jornada escolar: num período o aluno cursa o ensino médio, e no outro, o ensino técnico, que dura no máximo dois ou três semestres, dependendo do curso escolhido. Quando havia a integração entre os ensinos técnico e o médio, o conteúdo profissionalizante era desenvolvido ao longo dos três anos de curso, e solidificado junto com os conteúdos de Português, Matemática, Física, Biologia e Química; e enriquecido com Literatura, Artes e Línguas.
Desta maneira, o curso proporcionava envolvimento do aluno, tornando mais completa a sua formação; dando-lhe, enfim, a tal visão de mundo que as empresas tanto buscam. Atualmente, com dois ou três semestres no máximo, o conteúdo é reduzido, o tempo de absorção é muito menor, e é muito mais difícil os alunos se envolverem no cotidiano na escola.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

O que faz a falta de memória

O período eleitoral é pródigo em histórias de partidos políticos que fazem uso da velha máxima, segundo a qual os brasileiros não têm memória e não cultuam sua história. Posicionamentos considerados equivocados se transformam, da noite para o dia, em ações “virtuosas que só visam o bem estas das pessoas”. Useiro e vezeiro neste tipo de comportamento, o partido Democratas (DEM) é o autor principal em mais uma história desse tipo. A bola da vez é a posição do partido em relação do Programa Universidade para Todos (Prouni).
Lançado em 2004 pelo governo federal, o Programa Universidade para Todos (Prouni) criava condições de acesso ao ensino superior para jovens carentes. Às universidades privadas, aderentes ao programa, o programa propunha isenção de impostos. O principal objetivo do Prouni era, através de bolsas de estudos integrais ou parciais, permitir que jovens provenientes de famílias de baixa renda pudessem cursar uma faculdade.
A isenção de impostos motivou a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino e o Partido da Frente Liberal (PFL), antigo nome do DEM, a ingressarem com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN), que recebeu o número de 3330, no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o Prouni. Um programa que beneficiava também os estabelecimentos de ensino questionado pela sua própria entidade representativa. Surpreendente!
A ADIN DEM-Confeden ainda não foi julgada pelo STF, entretanto, provocado pela candidata do Partido dos Trabalhadores (PT) à presidência da República, Dilma Rousseff, que o acusou de querer barrar o programa, o Democratas, agora, reconhece o Prouni como “importante e necessário” parra a educação no Brasil. No seu lançamento, em 2004, não era. Mas, como precisa dos votos dos pobres – os maiores beneficiados pelo programa –, para não serem varridos do mapa político, os democratas dizem em sua propaganda eleitoral que são favoráveis ao Prouni.
Esta mudança radical de posição e comportamento só se explica pela falta de memória dos brasileiros. Apesar de, em períodos eleitores, todos dizerem que escolhem suas opções políticos após rigorosa análise do passado dos candidatos, é fato que mesmo com tanta observação os eleitores ainda escolhem aqueles que lhes apunhalam pelas costas no Parlamento.