quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Sobre cabras e antas

O texto do deputado, uma resposta ao petardo homofóbico de autoria do jornalista José Roberto Guzzo e publicado naquela revista conhecida como detrito de maré baixa, fala por si. É contundente. E contribui para arrancar e atirar ao longe as máscaras da hipocrisia e do preconceito, que muita gente ainda teima em mantê-las sobre suas faces.

Sobre cabras e antas
Por Jean Wyllys*
Eu havia prometido não responder à coluna do ex-diretor de redação de Veja, José Roberto Guzzo, para não ampliar a voz dos imbecis. Mas foram tantos os pedidos, tão sinceros, tão sentidos, que eu dominei meu asco e decidi responder.
A coluna publicada na edição desta semana do libelo da editora Abril — e que trata sobre o relacionamento dele com uma cabra e sua rejeição ao espinafre, e usa esses exemplos de sua vida pessoal como desculpa para injuriar os homossexuais — é um monumento à ignorância, ao mau gosto e ao preconceito.
Logo no início, Guzzo usa o termo “homossexualismo” e se refere à nossa orientação sexual como “estilo de vida gay”. Com relação ao primeiro, é necessário esclarecer que as orientações sexuais (seja você hétero, lésbica, gay ou bi) não são tendências ideológicas ou políticas nem doenças, de modo que não tem “ismo” nenhum. São orientações da sexualidade, por isso se fala em “homossexualidade”, “heterossexualidade” e “bissexualidade”. Não é uma opção, como alguns acreditam por falta de informação: ninguém escolhe ser homo, hétero ou bi.
O uso do sufixo “ismo”, por Guzzo, é, portanto, proposital: os homofóbicos o empregam para associar a homossexualidade à ideia de algo que pode passar de uns a outros – “contagioso” como uma doença – ou para reforçar o equívoco de que se trata de uma “opção” de vida ou de pensamento da qual se pode fazer proselitismo.
Não se trata de burrice da parte do colunista portanto, mas de má fé. Se fosse só burrice, bastaria informar a Guzzo que a orientação sexual é constitutiva da subjetividade de cada um/a e que esta não muda (Gosta-se de homem ou de mulher desde sempre e se continua gostando); e que não há um “estilo de vida gay” da mesma maneira que não há um “estilo de vida hétero”.
A má fé conjugada de desonestidade intelectual não permitiu ao colunista sequer ponderar que heterossexuais e homossexuais partilham alguns estilos de vida que nada têm a ver com suas orientações sexuais! Aliás, esse deslize lógico só não é mais constrangedor do que sua afirmação de que não se pode falar em comunidade gay e que o movimento gay não existe porque os homossexuais são distintos. E o movimento negro? E o movimento de mulheres? Todos os negros e todas as mulheres são iguais, fabricados em série?
A comunidade LGBT existe em sua dispersão, composta de indivíduos que são diferentes entre si, que têm diferentes caracteres físicos, estilos de vida, ideias, convicções religiosas ou políticas, ocupações, profissões, aspirações na vida, times de futebol e preferências artísticas, mas que partilham um sentimento de pertencer a um grupo cuja base de identificação é ser vítima da injúria, da difamação e da negação de direitos! Negar que haja uma comunidade LGBT é ignorar os fatos ou a inscrição das relações afetivas, culturais, econômicas e políticas dos LGBTs nas topografias das cidades. Mesmo com nossas diferenças, partilhamos um sentimento de identificação que se materializa em espaços e representações comuns a todos. E é desse sentimento que nasce, em muitos (mas não em todas e todos, infelizmente) a vontade de agir politicamente em nome do coletivo; é dele que nasce o movimento LGBT. O movimento negro — também oriundo de uma comunidade dispersa que, ao mesmo tempo, partilha um sentimento de pertença — existe pela mesma razão que o movimento LGBT: porque há preconceitos a serem derrubados, injustiças e violências específicas contra as quais lutar e direitos a conquistar.
A luta do movimento LGBT pelo casamento civil igualitário é semelhante à que os negros tiveram que travar nos EUA para derrubar a interdição do casamento interracial, proibido até meados do século XX. E essa proibição era justificada com argumentos muito semelhantes aos que Guzzo usa contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Afirma o colunista de Veja que nós os e as homossexuais queremos “ser tratados como uma categoria diferente de cidadãos, merecedora de mais e mais direitos”, e pouco depois ele coloca como exemplo a luta pelo casamento civil igualitário. Ora, quando nós, gays e lésbicas, lutamos pelo direito ao casamento civil, o que estamos reclamando é, justamente, não sermos mais tratados como uma categoria diferente de cidadãos, mas igual aos outros cidadãos e cidadãs, com os mesmos direitos, nem mais nem menos. É tão simples! Guzzo diz que “o casamento, por lei, é a união entre um homem e uma mulher; não pode ser outra coisa”. Ora, mas é a lei que queremos mudar! Por lei, a escravidão de negros foi legal e o voto feminino foi proibido. Mas, felizmente, a sociedade avança e as leis mudam. O casamento entre pessoas do mesmo sexo já é legal em muitos países onde antes não era. E vamos conquistar também no Brasil!
Os argumentos de Guzzo contra o casamento igualitário seriam uma confissão pública de estupidez se não fosse uma peça de má fé e desonestidade intelectual a serviço do reacionarismo da revista. Ele afirma: “Um homem também não pode se casar com uma cabra, por exemplo; pode até ter uma relação estável com ela, mas não pode se casar”. Eu não sei que tipo de relação estável o senhor Guzzo tem com a sua cabra, mas duvido que alguém possa ter, com uma cabra, o tipo de relação que é possível ter com um cabra — como Riobaldo, o cabra macho que se apaixonou por Diadorim, que ele julgava ser um homem, no romance monumental de Guimarães Rosa. O que ele, Guzzo, chama de “relacionamento” com sua cabra é uma fantasia, pois falta o intersubjetivo, a reciprocidade que, no amor e no sexo, só é possível com outro ser humano adulto: duvido que a cabra dele entenda o que ele porventura faz com ela como um “relacionamento”.
Guzzo também argumenta que “se alguém diz que não gosta de gays, ou algo parecido, não está praticando crime algum – a lei, afinal, não obriga nenhum cidadão a gostar de homossexuais, ou de espinafre, ou de seja lá o que for”. Bom, nós, os gays e lésbicas, somos como o espinafre ou como as cabras. Esse é o nível do debate que a Veja propõe aos seus leitores.
Não, senhor Guzzo, a lei não pode obrigar ninguém a “gostar” de gays, lésbicas, negros, judeus, nordestinos, travestis, imigrantes ou cristãos. E ninguém propõe que essa obrigação exista. Pode-se gostar ou não gostar de quem quiser na sua intimidade (De cabra, inclusive, caro Guzzo, por mais estranho que seu gosto me pareça!). Mas não se pode injuriar, ofender, agredir, exercer violência, privar de direitos. É disso que se trata.
O colunista, em sua desonestidade intelectual, também apela para uma comparação descabida: “Pelos últimos números disponíveis, entre 250 e 300 homossexuais foram assassinados em 2010 no Brasil. Mas, num país onde se cometem 50000 homicídios por ano, parece claro que o problema não é a violência contra os gays; é a violência contra todos”. O que Guzzo não diz, de propósito (porque se trata de enganar os incautos), é que esses 300 homossexuais foram assassinados por sua orientação sexual! Essas estatísticas não incluem os gays mortos em assaltos, tiroteios, sequestros, acidentes de carro ou pela violência do tráfico, das milícias ou da polícia.
As estatísticas se referem aos LGBTs assassinados exclusivamente por conta de sua orientação sexual e/ou identidade de gênero! Negar isso é o mesmo que negar a violência racista que só se abate sobre pessoas de pele preta, como as humilhações em operações policiais, os “convites” a se dirigirem a elevadores de serviço e as mortes em “autos de resistência”.
Qual seria a reação de todas e todos nós se Veja tivesse publicado uma coluna em que comparasse negros e negras com cabras e judeus com espinafre? Eu não espero pelo dia em que os homens e mulheres concordem, mas tenho esperança de que esteja cada vez mais perto o dia em que as pessoas lerão colunas como a de Guzzo e dirão “veja que lixo!”.
*Jean Wyllys é Deputado Federal (PSOL-RJ)

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Ações estão mudando, e continuarão, a mudar o Brasil

A notícia passou despercebida. Não mereceu tanta atenção quanto o trabalho dos diligentes ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da Ação Penal 470. Até mesmo os empedernidos “colonistas” da chamada grande imprensa foram obrigados a admitir, ainda que a contragosto e inserindo outras informações de contrabando para tentar reduzir o mérito original. “Nunca antes na história deste país”, em tão curto espaço de tempo, foi tão grande o número de negros nos bancos universitários.
Entre 2002 e 2011, multiplicou-se por cinco o percentual de negros e pardos que cursam ou concluíram o curso superior, indo de 4% para 19,8%. Em números absolutos, foram 12,8 milhões de jovens de 18 a 24 anos. O impacto deste crescimento na formação da sociedade brasileira se fará sentir em alguns anos.
Poucos países do mundo conseguiram resultado semelhante em tão pouco tempo. Para ter uma idéia do tamanho e dimensão desta conquista, em 2011 o percentual de afrodescendentes matriculados em universidades americanas chegou a 13,8%, transformando cifras em números: três milhões. Isso depois de meio século de lutas e leis.
Em 1957, estudantes negros entraram na escola de Little Rock escoltados pela 101ª Divisão de Paraquedistas. O Brasil ainda tem muito chão pela frente, pois negros e pardos formam 50,6% da população e nos Estados Unidos são 13%.
Os números mostram que a sociedade brasileira, apesar dos resmungos e xingamentos de suas elites brancas e reacionárias, está mudando, para melhor. Por trás desse êxito estão as políticas de cotas ou estímulos nas universidades públicas e no ProUni.
Em seis anos, o ProUni matriculou mais de 1 milhão de jovens do ano andar de baixo, brancos, pardos, negros ou índios. Deles, 265 mil já se formaram. Novamente, convém ver o que esse número significa: em 1944, quando a sociedade americana não sabia o que fazer com milhões de soldados que combatiam na Europa e no Pacífico, o presidente Franklin Roosevelt criou a GI-Bill.
A chamada lei de reintegração social para os veteranos de guerra, intitulada como G.I Bill of Rigths, dava a todos os soldados uma bolsa integral nas universidades que viessem a aceitá-los. Em cinco anos a GI-Bill matriculou 2 milhões de jovens. Hoje entende-se que a iniciativa foi a base da nova classe média americana; e há estudiosos que vêem nela o programa de maior alcance social das reformas de Roosevelt.

Ministros do Supremo, 380 milhões de olhos vos contemplam

Os excelente textos, que desembocam em análises argutas, que nos fazem pensar e refletir, devem ser replicados, até que cheguem ao maior número possível de pessoas. E esta pensata de Cynara Menezes, jornalista da revista CartaCapital, é uma delas.

Por Cynara Menezes, na CartaCapital
Em agosto deste ano, o ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello concedeu liminar suspendendo o júri popular que finalmente faria Justiça ao “caso Nicole”. O empresário Pablo Russel Rocha é acusado de, em 1998, ter arrastado com sua caminhonete, até a morte, a garota de programa Selma Artigas da Silva, então com 22 anos, em Ribeirão Preto. A jovem era conhecida como Nicole.
Grávida, Nicole teve uma discussão com Pablo. A acusação diz que ele a prendeu ao cinto de segurança e a arrastou pela rua. Pablo, que responde pelo crime em liberdade, diz “não ter percebido” que a moça estava presa ao cinto e nem ter ouvido os gritos da moça porque “o som da Pajero estava muito alto”. O corpo de Nicole foi encontrado, totalmente desfigurado, do outro lado da cidade. Com a suspensão, a família de Selma/Nicole vai esperar não se sabe quantos anos mais pelo julgamento do acusado.
Na segunda-feira 22 de outubro, o mesmo ministro Celso de Mello condenaria os petistas Delúbio Soares, José Dirceu e José Genoino pelo crime de formação de quadrilha. Já os havia condenado por corrupção ativa. “Eu nunca vi algo tão claro”, disse ele, sobre a culpabilidade dos réus.
Em novembro de 2011, o ministro do STF Marco Aurélio Mello concedeu habeas corpus ao empresário Alfeu Crozado Mozaquatro, de São José do Rio Preto (SP), acusado de liderar a “máfia do boi”, mega-esquema de sonegação fiscal no setor de frigoríficos desvendado pela Polícia Federal. De acordo com a Receita Federal, o esquema foi responsável pela sonegação de mais de 1 bilhão e meio de reais em impostos. Relator do processo, Marco Aurélio alegou haver “excesso” de imputações aos réus.
Na segunda-feira 22 de outubro, o mesmo ministro Marco Aurélio Mello condenaria os petistas Delúbio Soares, José Dirceu e José Genoino pelo crime de “formação de quadrilha”. Já os havia condenado por “corrupção ativa”. O esquema do chamado “mensalão” envolveria a quantia de 150 milhões de reais. “Houve a formação de uma quadrilha das mais complexas. Os integrantes estariam a lembrar a máfia italiana”, disse Marco Aurélio.
Em julho de 2008, o ministro do STF Gilmar Mendes concedeu dois habeas corpus ao banqueiro Daniel Dantas, sua irmã Verônica e mais nove pessoas presas na operação Satiagraha da PF, entre elas o investidor Naji Nahas e o ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta (que morreu em 2009). A Satiagraha investigava justamente desdobramentos do chamado mensalão, mas, para Mendes, a prisão era “desnecessária”.
Segundo o MPF (Ministério Público Federal), o grupo de Dantas teria cometido o crime de evasão de divisas, por meio do Opportunity Fund, uma offshore nas ilhas Cayman que movimentou entre 1992 e 2004 quase 2 bilhões de reais. O grupo também era acusado de formação de quadrilha e gestão fraudulenta.
Na segunda-feira 22 de outubro o mesmo ministro Gilmar Mendes que livrou o banqueiro Daniel Dantas da cadeia enviou para a prisão a banqueira Kátia Rabello, presidente do banco Rural, por formação de quadrilha. Já a havia condenado por gestão fraudulenta, evasão e lavagem de dinheiro. “Sem dúvida, entrelaçaram-se interesses. Houve a formação de uma engrenagem ilícita que atendeu a todos”, disse Gilmar.
O final do julgamento do mensalão multiplica por 25 – o número de condenados – a responsabilidade futura do STF. É inegavelmente salutar que, pela primeira vez na história do País, um grupo de políticos e banqueiros tenha sido condenado por corrupção. Mas, a partir de agora, os olhos da Nação estarão voltados para cada um dos ministros do Supremo para exigir idêntico rigor, para que a Justiça se multiplique e de fato valha para todos.
Estamos fartos da impunidade, sim. E também estamos fartos dos habeas corpus e liminares concedidos por alguns ministros em decisão monocrática, em geral nos finais de semana ou em férias, quando o plenário não pode ser reunido. Não se pode esquecer que o Supremo que agora condena os petistas pelo “mensalão” é o mesmo Supremo que tomou decisões progressistas importantes, como a liberação do aborto de anencéfalos e da união civil homossexual e a aprovação das cotas para afro-descendentes nas universidades. Estas foram, porém, decisões do colegiado. Separadamente, saltam aos olhos decisões injustas como as que expus acima.
Se há, como defendem alguns ministros, uma evolução no pensamento do STF como um todo, que isto também se reflita nas posições tomadas individualmente por seus membros. Não se pode, diante das câmeras de tevê, anunciar com toda a pompa a condenação e a prisão de poderosos e, à sorrelfa, na calada da noite, soltar outros. Cada vez que um poderoso for libertado por um habeas corpus inexplicável, ou que uma liminar sem pé nem cabeça for concedida por um ministro do Supremo para adiar o julgamento de gente rica, estará demonstrado que o mensalão não foi um divisor de águas coisa nenhuma.
Daqui para frente, os ministros do Supremo Tribunal Federal têm, mais do que nunca, a obrigação de serem fiéis a si próprios e ao que demarcaram neste julgamento. Nós, cidadãos, estaremos atentos às contradições. Elas serão denunciadas, ainda que ignoradas pela grande mídia.
A Justiça pode ser cega. Mas nós, brasileiros, temos milhões de olhos. E estaremos vigiando.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Bolsa Família não desestimulou procura por emprego, diz estudo

Talvez o distanciamento temporal seja capaz de dar ao Bolsa Família todo o mérito que lhe é devido por ter contribuído para a redução da pobreza e da desigualdade no Brasil. E estudos como estes ajudam neste processo.
 
Desde que foi lançado, há cerca de oito anos, o programa federal Bolsa Família ajudou a retirar cerca de 30 milhões de brasileiros da pobreza absoluta. Em meio às muitas críticas recebidas, conseguiu derrubar previsões simplificadoras, como a de que estimularia seus beneficiários a manterem-se desempregados para receber ajuda estatal. É o que mostra a segunda rodada de Avaliação de Impacto do programa, realizada pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) com 11.433 famílias, beneficiárias ou não, em 2009.
De acordo com o levantamento, quem recebe repasses do governo federal não deixa de procurar emprego. Ao considerar uma faixa de 18 a 55 anos de idade, a parcela de pessoas ocupadas ou procurando trabalho em 2009 era de 65,3% entre os beneficiários e 70,7% para os indivíduos fora do programa. Analisando pessoas entre 30 e 55 anos, a porcentagem é de cerca de 70% para ambos os grupos.
O índice de desemprego também é semelhante. Em 2009, 11,4% dos não beneficiados entre 18 e 55 anos estavam sem trabalho, contra 14,2% dos auxiliados pelo Bolsa Família. Na faixa de 30 a 55, a diferença é menor: 7% para as pessoas sem benefícios, ante 8,9% do outro grupo. “Em 2009, a busca por trabalho entre beneficiários é um pouco mais elevada que os não beneficiários. Esses resultados revelam, pois, não haver evidências de que haja desincentivo à participação no mercado de trabalho por parte dos beneficiários do PBF”, diz o documento.
O programa também ajudou a atrasar a entrada de jovens entre 5 e 17 anos de idade no mercado de trabalho, o que geralmente ocorre pela necessidade de auxiliar no sustento da família. Apesar desta faixa etária possuir níveis baixos de ocupação, houve avanços e quedas em geral.
Em 2005, 3,6% das meninas fora do Bolsa Família entre 5 e 15 anos trabalhavam, contra 2,2% das que recebiam auxílio. Entre os meninos nesta faixa, 5,5% sem apoio tinham emprego, contra 4,3% dos beneficiários. Quatro anos mais tarde, a porcentagem caiu para 1,9% das meninas e 3,2 dos meninos sem repasses federais para 2% das mulheres e 3,7% dos homens com ajuda financeira do programa.
Na faixa de 16 e 17 anos, 17,6% das adolescentes e 30,4% dos rapazes sem benefícios trabalhavam em 2005, contra 15,4% das mulheres e 32,6%, respectivamente, com benefício. Em 2009, 11,6% das meninas e 21,7% dos meinos sem benefício tinham emprego, ante 9,7% e 19,3 dos beneficiados.
O recebimento dos repasses do Bolsa Família varia de 32 a 306 reais mensais, segundo critérios como a renda mensal per capita da família e o número de crianças e adolescentes de até 17 anos. O programa, que tem orçamento de 20 bilhões de reais para 2012 – cerca de 0,5% do PIB -, está condicionado ao cumprimento de diversos fatores pelos beneficiários. Entre eles, a frequência mínima de 85% às aulas para crianças de 6 a 15 anos e 75% para jovens de 16 e 17 anos.
Os dados mostram uma série de avanços sociais proporcionados pela ação. Entre eles, a melhora ao acesso à educação entre os jovens pobres. O levantamento aponta que a frequência na escola entre crianças de 8 a 14 anos de idade é de 95%, mas o resultado vai piorando nas faixas etárias de 7 a 15 anos e entre 16 e 17 anos. Segundo informações obtidas por CartaCapital junto ao MDS (não pertencentes ao levantamento), entre 2009 e 2011 somente 4% dos beneficiários tiveram baixa frequência nas escolas. Em 2011, 95,52% deles cumpriram a cota mínima de presença exigida.
Apesar de os níveis de comparecimento às salas de aula estarem dentro do esperado, em 2009 a taxa de aprovação dos alunos com auxílio financeiro no ensino fundamental foi de 82% contra 83,8% da média, com melhora no ano seguinte: 83,1% contra 85,3%. A taxa de abandono, no entanto, foi menor que a média: 3,4% em 2009, ante 4,1; 3% em 2010, contra 3,5%.
Mas no ensino médio público os resultados são melhores para os integrantes do Bolsa Família. Em 2009, eles alcançaram nível de aprovação de 79,9%, contra 73,7% da media. No ano seguinte, o resultado foi de 80,8% contra 75,1% em favor dos beneficiários. A evasão escolar também foi menor que a da média: 7,5% em 2009 para os alunos do programa, contra 12,8%; 7,2% contra 11,5% em 2010.
Os resultados do levantamento ainda trazem avanços na área da saúde. Em 2005, as grávidas entrevistadas afirmaram ter ido, em média, a 3,1 consultas de pré-natal, um número que saltou para 3,7 quatro anos depois. Sendo que as mulheres com beneficio passaram de 3 visitas para 3,7 visitas, com a evolução de 3 para 3,5 das não auxiliadas. No mesmo período, caiu de 20% para 7% o total de gravidas entrevistadas que relataram não ter realizado pré-natal, com quedas significativas em ambos os grupos.
O tratamento dado às mães surtiu efeitos nos filhos. A prevalência de desnutrição aguda, crônica e baixo peso entre menores de cinco no período de 2005 a 2009 teve, em geral, queda semelhante para crianças de membros do Bolsa Família e de não beneficiados.
A proporção de crianças com desnutrição crônica caiu de 14,7% para 9,7% entre os beneficiários e 15,8% para 11% no outro grupo analisado. O baixo peso teve queda de 7,8% para 5,8% entre os não auxiliados e 7,2% para 5,9% nos beneficiários. A diferença nos casos de desnutrição aguda, no entanto, é grande: enquanto os entrevistados fora do Bolsa Família viram um aumento de 8% para 9%, os auxiliados registraram diminuição de 7,7% para 7,4%.
Outro dado elevado é a taxa de vacinação entre as 4,1 milhões de crianças acompanhadas no primeiro semestre de 2012: com o programa, 98,89% delas seguiram o calendário vacinal.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Qual o perfil de um bom vereador?

Quais parâmetros serão considerados pelos eleitores para escolher, entre os milhares de cândidas a vereador pelo país afora,, aquele que receberá seu voto no dia 7 de outubro? Será que no processo de escolha o cidadão se lembra qual o papel que a Constituição determina ao vereador? Cabe aos integrantes do legislativo municipal, entre outras funções, fiscalizar o Poder Executivo, criar e modificar leis restritas às cidades, verificar como o dinheiro público é aplicado e criar ou alterar o plano diretor de ocupação urbana da sua cidade.
Mas, será que, em Campinas ou em qualquer outra cidade brasileira, estas funções estão sendo cumpridas pelos integrantes da Câmara Municipal? Para os especialistas em administração pública, as funções dos vereadores estão desvirtuadas. E o principal responsável por este desvirtuamento é exatamente aquele a quem os parlamentares deveriam fiscalizar: o Poder Executivo. Por meio de cargos na administração municipal, o prefeito de turno faz a cooptação dos edis, sob o pretexto de que precisa de “uma maioria sólida da Câmara para aprovar os projetos que a cidade precisa”.
Este processo de cooptação esvaziou a função do vereador. Hoje, o parlamentar tornou-se um despachante de luxo, mais preocupado em ampliar seu espaço na administração municipal, mostrar-se como responsável pela execução de obras que, na realidade, não são suas e, desta forma, montar as bases para garantir-lhe a permanência no Legislativo municipal na eleição seguinte. Neste cenário, nada de relevante acontece nas Câmaras municipais.
O eleitor também tem a sua parcela de culpa neste processo. As pessoas simplesmente esquecem em quem votaram na eleição anterior. Não sabem se o ungido por seu voto, eleito, cumpriu o mandato com responsabilidade. E como não acompanharam a atuação do parlamentar durante os quatro anos, também não tem condições de puni-lo com o voto, caso sua conduta não tenha sido das mais abonadoras.
O grau de politização da sociedade é muito baixo. Muita gente, aliás, chega a estufar o peito para dizer “que não gosta e tem nojo da política”. O azar delas é que serão governadas por quem gosta e tem muito apreço pela política. Participação política e política partidária são coisas distintas. E o processo de educação política do povo começa, exatamente, no momento em que se aprende a estabelecer a diferença entre estas duas proposições.
Por conta deste alheamento, os integrantes das câmaras municipais não se preocupam com a qualidade de seus mandatos. As consequências da falta de fiscalização estão nas páginas dos jornais, nas ondas do rádio e nos telejornais televisivos, caixas de ressonância do trabalho realizado pelos Ministérios Públicos pelo país afora.
A democracia, no Brasil, precisa deixar de ser um simulacro para se tornar real e influente na vida das pessoas. O cidadão precisa ter exemplos concretos de que o regime democrático é, de longe, o melhor quando comparado a todos os outros. E o seu fortalecimento começa na cidade onde moramos, com a eleição de vereadores conscientes do papel que lhes cabe e da responsabilidade que assumem perante os eleitores.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Umbandistas e Candomblecistas querem eleger representantes para os legislativos municipais

Nas eleições municipais deste ano, em Campinas como em outras cidades, existe uma organização muito forte, por parte dos umbandistas, candomblecistas e espiritualistas de, a exemplo do que fazem os membros de outras confissões religiosas, elegeram representantes para os Legislativos vinculados organicamente às religiões de matriz africana. Em outras palavras, chega de intermediários. Os membros destas confissões religiosas querem seus próprios irmãos para o Legislativo municipal.
Hoje, seja em âmbito municipal, estadual ou federal, os evangélicos realizam um forte trabalho para eleger seus representantes. E sabem por quê? Porque, uma vez eleitos, estes legisladores (vereadores, deputados estaduais ou federais) serão as vozes destas confissões religiosas no Parlamento. Serão eles que, das tribunas legislativas, irão vociferar contra “aquelas religiões que falam com os mortos e cultuam demônios, como os Exus”. Serão eles que apresentarão projetos de lei voltados para o sufocamento dos direitos das chamadas minorias, como os homossexuais; contra os direitos das mulheres; pela obrigatoriedade do ensino religioso nas escolas públicas, em detrimento do caráter laico do Estado brasileiro.
Os muitos escândalos envolvendo parlamentes amplamente divulgados pela mídia produziram uma espécie de “dèja-vu”; de descrença total nas instituições e naqueles que nelas atuam. Há quem ache até mesmo que na política “são tudo um bando de ladrões e impostores” ou, ainda, “o sujeito pode até ser bem intencionado, mas, uma vez lá dentro, se deixa corromper também”.
Por que, ao invés de só atirar pedras, a própria sociedade não assume a parcela de culpa nesta situação? Afinal, não basta só votar, é preciso fiscalizar também. E não vale a desculpa de que “as sessões da Câmara dos Vereadores são muito chatas e realizadas em horários proibitivos”.
O advento da internet e sua popularização eliminaram estas desculpas. Pesquisas mostram que o Brasil tem 82 milhões de usuários da rede mundial de computadores. Então, o que precisamos é de mais ativismo político e menos letargia. Atuação política é bem diferente de política partidária. Quando decidimos encampar, participar de uma atividade em defesa dos nossos direitos, por exemplo, estamos exercendo a nossa cidadania, enfim, estamos atuando politicamente.
Os eventos ocorridos em Pernambuco recentemente, onde diversos terreiros de Umbanda foram destruídos, vítimas da intolerância religiosa, da desinformação e do preconceito, dão a exata medida da falta que faz uma representação institucional própria. Ou ainda, o bloqueio que vereadores evangélicos da Câmara de São Vicente impuseram ao projeto de instalação de uma estátua de nossa Mãe Iemanjá nas praias daquela cidade, é outro exemplo da falta desta representação orgânica. E olhem que, no caso da cidade paulista, a instalação não teria nenhum custo para o município; o doador da imagem se comprometeu, inclusive, em arcar com os custos da instalação. Bastava apenas a autorização, que deveria vir do Legislativo municipal.
Esta realidade comprova a necessidade de as religiões de matriz africana terem representações parlamentares organicamente vinculadas a elas. Alguém que compreenda o caráter mágico e magístico da religião; enfim, alguém que não enxergue estas confissões sob o prisma da curiosidade, mas, sim, do respeito e da tolerância em relação aos nossos rituais e práticas religiosas.

terça-feira, 5 de junho de 2012

As nossas bússolas

A invenção do astrolábio contribuiu de maneira decisiva para as grandes navegações e mudou a história da humanidade. A eficácia daquele instrumento permitiu a portugueses e espanhóis singrarem os mares do desconhecido e trazerem à luz aquelas terras que ficavam muito além do grande mar tenebroso, como era conhecido o Oceano Atlântico.
Antes, porém, graças a Galileu Galilei e a contragosto da igreja católico, já se sabia que o planeta Terra era redondo e não era o centro do Universo; era apenas mais um planeta que gravitava em torno do Sol, este sim, no centro da galáxia. Com base nestas teorias, os grandes navegadores, de forma perspicaz, raciocinaram: “bom, se a Terra é redonda, então, posso navegar rumo à oeste que, certamente, chegarei a leste”. E, assim, fizeram.
Por conta desta ousadia, a humanidade, restrita ao continente europeu e à Ásia, soube que havia outras terras. E descobriu-se a América. Ah, a propósito: o astrolábio é o antepassado da bússola, velha conhecida de todos nós.
Se para as grandes viagens por terra, mar e ar, a bússola é um instrumento indispensável, como fazemos para nos orientar em nossa caminhada pessoal? Como sabemos qual o melhor caminho a seguir em nosso desenvolvimento espiritual? Certamente, os livros são nossos melhores guias, ou seja, são nossas bússolas.
Mas, atentemos para o detalhe: a bússola nos orienta, aponta a direção, porém, não define com exatidão qual a rota certa, o melhor caminho, a seguir. Isto é por nossa própria conta. Com os livros acontece a mesma coisa. É comum encontrarmos pessoas capazes de fazer longas citações de determinadas obras, tão precisas a ponto de dizerem até mesmo o número da página, o ano da edição, etc. Agora, se perguntadas qual a sua opinião a respeito daquela leitura, ela será tomada pela surpresa porque simplesmente não tem.
Quantos de nós, habituados à leitura, já não encontrou textos recheados de citações, de aspas, sem visualizar uma única idéia original do próprio autor? Certamente, ele leu ou na pior das hipóteses, consultou todas as obras citadas, mas, não foi capaz de usá-las como sustentação para  formular suas próprias idéias; ou com sua forma original de pensar, contrapor as teorias citadas. Pensar é isso: ou confrontamos a idéia e a superamos, ou, com novos argumentos, referendamos e confirmamos a sua validade.
O nosso desenvolvimento espiritual é constante, ainda que a marchas e contramarchas. Em determinados momentos nos sentimos mais fortes a cerca de nossas convicções; em outras situações, porém, diante da rigidez da vida, sentimos um fraquejar em nossa fé para, logo adiante, obtermos a sua confirmação. E isso nos permite crescer, nos fortalecer e poder ajudar ao próximo, em uma expressão: praticar a caridade.
E a leitura, seja de romances psicografados, seja de relatos autobiográficos das entidades ou, ainda, obras de caráter etnográfico, sociológico ou antropológico, serve para nos atualizar e apresentar novas idéias. Agora, o que realmente importa são as lições que cada um de nós tira destas leituras. O ato de passar os olhos pelas palavras impressas deve nos levar à reflexão para o nosso próprio crescimento. O que realmente importa não é demonstração de conhecimento com a citação de uma miríade de longos trechos dos livros lidos, mas, sim, o que de concreto a leitura provocou em nosso pensamento. De que forma aquela leitura impactou nosso modo particular de ver o mundo e as pessoas; se nosso comportamento foi modificado, de que forma, para melhor ou para pior.
Enfim, se a direção apontada pela bússola foi determinante na escolha do caminho que decidimos percorrer. 

terça-feira, 3 de abril de 2012

O discurso moral como ferramenta política

Ocupantes de cargos eletivos, no Legislativo e/ou no Executivo, que se valem do discurso moral como ferramenta para as disputas políticas, estarão sempre correndo sérios riscos. Fazer da ética e da moral baluartes de sustentação política costuma se transformar em uma "faca de dois gumes". Não se pode esquecer, jamais, que não existe ser humano perfeito. Estamos todos sujeitos a falhas e desvios em nossas condutas; e o mérito maior está, precisamente, em saber destas fraquezas e admiti-las. Quando transformadas em armas para o debate político, costumam voltar-se contra aqueles que lançaram mão delas.
Antes o Partido dos Trabalhadores (PT) e, agora, o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), sentiram na pele os efeitos disso. Os petistas, que por anos a fio fizeram da defesa intransigente da ética a sua principal arma de disputa política, uma vez instalados no poder, padeceram de um surto de amnésia e esqueceram tudo o que pregavam. Resultado: tornaram presas fáceis das armadilhas da direita. Deslumbrados, achavam que tudo podiam. Não, não podiam tudo.
O algoz de ontem, ao fazer uso das mesmas armas, tornou-se a vítma de hoje. Vítima no sentido de sentir na pele os flagelos que impunha aos adversários. Demóstenes, transformado em arauto da moralidade pela mídia, revelou-se tão pior quanto aqueles que acusava. A descoberta da sua intimidade com um contraventor revelou o quão pernicioso ele é. A sua permanência no Senado representa um perigo à existência da própria República. Caso continue na câmara alta será a desmoralização completa do Poder Legislativo.
A renúncia não será suficiente. É necessário que se instaure o processo  político-jurídico que, pelas evidências tornadas públicas até agora, será capaz de cassar seus direitos políticos por longos anos. E que este longo período sabático seja suficiente para fazê-lo refletir sobre os equívocos contidos na estratégia de utilizar o discurso moralista como ferramenta para a disputa política.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Retomada

Manter um blog não é tarefa das mais fáceis. Deveria saber disso, quando decidi criá-lo. Como no início tudo é empolgação e vontade, sempre achamos que vamos conseguir dar conta. O tempo vai passando e as agruras do cotidiano se transformam em obstáculos a uma presença mais constante neste espaço. Ainda assim, achamos que é passageiro e, logo, retomaremos o ritmo normal da publicação dos posts. E, aí, "damos com os burros n'água", literalmente; e, quando percebemos, já ficou nas espumas do tempo a última vez que visitamos o espaço criado por nós.
Se decidi criar o blog, então, tenho um compromisso com ele. Para começar, a definição da sua identidade. É um espaço jornalístico por excelência? Ou é um receptáculo de memórias pessoais e reflexões sobre fatos vivenciados pelo autor? Criei o espaço. Ele é meu. Então, dou a ele a destinação que achar melhor. Sendo assim, ele será um pouco de tudo isso. Histórias serão contadas. Pensamentos compartilhados. Opiniões expressas. Enfim, o que der na telha.
E os leitores? Quem vai ler isso? Ou melhor, como as pessoas vão ficar sabendo do espaço? Será que sentirão a curiosidade natural de querer conhecê-lo? A publicidade em torno dele será dada pelo próprior autor, já que o endereço do espaço fará parte da assinatura do seu e-mail pessoal. Gostar ou não desta leitura é uma decisão que esta longe do alcance do autor. Será própria dos visitantes deste espaço.
Nesta retomada do blog não haverá preocupação com regularidade. Poderá ter um post ou mais diários; ou dias em branco. Dependerá da vontade e ânimo do autor. E que ninguém reclame. Afinal, o espaço é meu.