quinta-feira, 15 de julho de 2010

Um tiro na intolerância

Em uma votação apertada e histórica, por 33 votos a favor, 27 contra e 2 abstenções, o Senado argentino aprovou na madrugada da quarta-feira, 14 de julho, o casamento entre homossexuais. Com a decisão, além do matrimônio, as pessoas de mesmo sexo também terão direito à adoção e à herança. Durante as mais de quinze horas de debate entre os senadores, uma multidão concentrou-se do lado de fora da Câmara Alta do país vizinho.
De um lado, católicos e evangélicos, numa aliança insólita, protestavam duramente contra o projeto do poder Executivo da Argentina. De outro, organizações defensoras dos direitos dos homossexuais, dos direitos humanos e associações políticas ligadas ao governo da presidente Cristina Kirchner, faziam o contraponto e pressionavam os parlamentares a votarem a favor do projeto.
Analistas políticos dizem que a aprovação do projeto ampliou ainda mais a fenda que separa a Argentina. O Arcebispo de Bueno Aires, cardeal Jorge Bergoglio, conclamou uma campanha contra a nova lei, definida por ele como uma "Guerra de Deus". Em resposta à iniciativa, Cristina Kirchner atacou: "Eu não estava de acordo com o discurso que girava em torno do debate. O fato de que se falasse de guerra de Deus, por exemplo, mostrava um radicalismo que não era positivo de nenhuma maneira."
Para muito além das implicações políticas que a aprovação do projeto possa ter sobre a sociedade argentina, é necessário analisar a história votação para fora das fronteiras da Argentina. A influência que poderá ter nos outros países da América do Sul, sobretudo, o Brasil, onde haverá eleições em outubro, é o que deve contar neste momento.
Se as organizações religiosas (católicos, evangélicos, etc.) já estavam se articulando nas sombras para tentar influenciar o voto dos eleitores, agora, isto se dará às claras. O país assistirá ao desfile de uma centena de pastores-candidatos com mensagem conservadores, reacionárias e intolerantes, do tipo: "vote pela salvação da família bíblica", ou, talvez, "seu voto pode garantir a salvação da família, tal qual Deus a criou", e por aí vai.
Neste clima maniqueísta, o debate sairá prejudicado. Não será possível discutir com um mínimo de seriedade uma realidade que, apesar das reações estáticas e contrárias, teima em mudar muito depressa. A votação do Senado argentino representou um tiro na intolerância. Oxalá, tenha sido o de misericórdia.

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