quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

PEC 99/11 ameaça caráter laico do Estado brasileiro

A palavra teocracia não é assim tão conhecida do grande público. Entre especialistas e estudiosos da religião, ela é empregada em larga escala. Na mídia, a daqui e a de fora, ganhou sentido pejorativo, utilizada para designar o regime político que vigora no Irã, onde o poder é exercido com mãos de ferro por clérigos muçulmanos, os aiatolás. Em sentido literal, teocracia quer dizer “governo de Deus”; do grego teo = Deus + cracia = governo.
Agora, o assunto esta de volta ao centro das atenções, principalmente porque as chamadas igrejas evangélicas estão lançando mão de todos os expedientes possíveis para impor sua visão de mundo ao conjunto da sociedade; nem que para isso seja necessário passar por cima do caráter laico do Estado brasileiro.
Estado laico não é um Estado ateu. Seu caráter laico significa que ele não tem religião oficial, até porque, precisa, e deve, assegurar os direitos de cada um ter e seguir a sua fé, sem ser admoestado por isso. A partir do momento em que este caráter é ameaçado, também ameaçados estarão os direitos das minorias.
A mais nova investida vem na forma da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 99/2011, de autoria do deputado federal João Campos (PSDB/GO). A proposta do parlamentar goiano “dispõe sobre a capacidade postulatória das Associações Religiosas para propor ação de inconstitucionalidade e inconstitucionalidade no STF”. Na prática, acrescenta mais um inciso ao Artigo 103 da Constituição Federal. Este artigo diz que:
“Podem propor ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade:
I – o Presidente da Republica;
II – a Mesa do Senado Federal;
III – a mesa da Câmara dos Deputados;
IV – a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal;
V – o Governador de Estado ou do Distrito Federal;
VI – o Procurador-Geral da República;
VII – o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
VIII – partido político com representação no Congresso Nacional;
IX – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional” .
A PEC 99 acrescenta as Associações Religiosas a esta lista. Ocorre que estas organizações são constituídas de acordo com os interesses de um grupo restrito de pessoas. E o Estado não pode opor nenhum tipo de obstáculo ao funcionamento delas. Logo elas possuem um privilégio de se organizar sem que o Estado possa negar-lhes o reconhecimento de sua criação por qualquer motivo que seja.
A iniciativa de João Campos, que tem fortes ligações com a Assembleia de Deus, surgiu a partir do momento em que os parlamentares evangélicos se viram sem meios legais para questionar a decisão do STF sobre a união homoafetiva. Por aí se vê qual o alvo inicial da bancada evangélica: bloquear, via Justiça, toda e qualquer iniciativa que vise garantir e assegurar direitos a setores minoritários da sociedade como, por exemplo, os homossexuais. E isto será apenas começo.
Casamento homoafetivo? Descriminalização do aborto? Uso de símbolos religiosos em repartições públicas? Direito de existência e liturgia de manifestações religiosas que, na visão dos evangélicos, são consideradas antinatural, com aquelas de matriz africana? Tudo será passível de questionamentos no STF quanto a sua constitucionalidade, por estas associações religiosas.
De fato, mais do que orar e vigiar, estes tempos são de observar e agir. Enquanto ainda há tempo para isso.

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